sábado, 3 de março de 2012

Invasão Democrática

O telefone tocou. Fui atendê-lo. Do outro lado da linha, uma voz grave me disse que determinado candidato queria conversar comigo. Fiquei com vontade de dizer que o dono da casa não estava; que ligasse outra hora. Como, porém, discutir com uma gravação? Desliguei o telefone. Almocei. Fui trabalhar. Ônibus atrasado e lotado. Quase perdi a hora. Atravessei a Avenida Paulo Fontes. Bandeiras. Carros de som. Santinhos... Em tempos de eleições, é praticamente impossível andarmos tranquilamente pelas ruas da cidade. Em nome da democracia, vale tudo, inclusive, invadir a intimidade alheia. O privado se mistura ao público. E perdemos a noção de conceitos fundamentais ao Estado de direito. Promessas fáceis pululam; ideias mirabolantes viram verdadeiras panacéias; homens e mulheres nunca dantes vistos posam como salvadores da Pátria. Durante muito tempo, lutamos pelo restabelecimento da democracia no Brasil. Saímos às ruas. Empunhamos a bandeira da liberdade e da igualdade. O sonho era de justiça; de uma sociedade equânime. O poder... Ah, o poder! Diluído, como queria Foucault, nas relações cotidianas perverteu o significado da democracia. E o jogo de uma elite conservadora e canhestra acabou virando modelo de bom desempenho do Governo. Entre a utopia e a realidade, uma legião de excluídos: sem-tetos, sem-terras, subempregados, catadores de lixo... Muitos brasileiros vivem, enfim, abaixo da linha de pobreza. Enquanto isso, e em nome da consolidação da democracia, assistimos a debates na TV que, no mínimo, agridem a intelectualidade de uma pessoa medianamente consciente, tal é o vazio das propostas apresentadas. Entre a democracia e um sistema autoritário, é claro, há um fosso gigantesco. Mas é verdade, também, que ainda estamos engatinhando no oferecimento de direitos básicos ao cidadão. Educação, saúde, trabalho, lazer... Itens caros à população viram assuntos banais e fáceis de ser resolvidos. Mas isso ocorre somente durante o processo eleitoral. Após a banda passar, como cantou o Chico, “em cada canto uma dor”. Se o telefone tocar novamente, direi... Bem, direi que o voto é secreto.

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