segunda-feira, 12 de março de 2012

Palavra Proibida

Numa aldeia não muito distante, vivia um rei sábio e justo. O seu povo não conhecia a miséria e trabalhava em consonância com o talento de cada um. Como a base da economia era a troca, não havia ganância e ninguém explorava ninguém. O rei tinha uma filha e amava a sua esposa. Palácio? Não, não vivia num palácio, mas habitava uma modesta cabana. A única coisa que o distinguia dos demais era a cor branca de suas roupas. A aldeia era próspera; desconhecia a repressão e a guerra. O povo cantava, estudava, dançava, festejava a vida. Todos cuidavam de todos – era essa a única lei existente. Deus? Não, não acreditavam no sobrenatural. Viviam o aqui e agora. Não pensavam numa vida após a morte. Homens e natureza em comunhão.
Do reino das trevas, saiu uma bruxa com a missão de acabar com toda aquela felicidade. E, numa fria noite, entrou na choupana do rei e matou a sua filha e a sua esposa.
Na manhã seguinte, os habitantes da aldeia encontraram o corpo da rainha e da princesa, mas não conseguiram localizar o rei. Este, diante de tamanha atrocidade, havia se refugiado nas montanhas. Ao final do dia, voltou para junto de seu povo e sepultou as pessoas que mais amava na vida.
O luto, como era tradição, durou um mês. Findado esse período, o rei chamou o seu mais fiel conselheiro e lhe disse:
- Meu coração já não é mais o mesmo. A dor da perda me fez outro homem. Antes a morte tivesse me levado...
- Não diga isso, meu rei. Todo o povo ama vossa majestade.
O rei não deu ouvidos às palavras do conselheiro, e ordenou-lhe:
- A partir de hoje, uma palavra será banida definitivamente de nossa língua. Livros, dicionários, poemas, canções... Ah! Se eu pudesse também a eliminaria do pensamento das pessoas. Como não sou capaz disso...
- E que palavra é essa, meu amado rei? – perguntou o conselheiro.
O rei ia pronunciá-la em voz alta; não teve coragem, cochichou a tal palavra no ouvido do conselheiro, que se horrorizou:
- Mas isso será o fim de nossa aldeia, meu rei!
- Não discuta comigo, meu caro. Apenas cumpra a minha ordem.
E assim foi feito.
Passado algum tempo, a tristeza tomou conta da aldeia. Na praça, onde antes o povo dançava e cantava, o rei mandou erguer um pelourinho. Qualquer pessoa que não cumprisse a sua ordem seria castigada. Com isso, as pessoas passaram a se olhar com desconfiança; a trabalhar com medo; a castigar as crianças facilmente; os professores começaram a empregar o autoritarismo em sala de aula; os namorados deixaram de ser vistos à luz do dia – escondiam-se nos becos da aldeia. O rei instituiu a polícia, criou uma moeda e mandou construir um palácio. O povo, além de perder a voz, aprendeu a conviver com a desigualdade. E, sem demora, teorias justificando as diferenças entre as pessoas foram criadas; teses elaboradas sobre o bem e o mal. Houve até quem passasse a defender uma vida após a morte – onde todos teriam, enfim, encontrado o paraíso.
Com a proibição da palavra, instalou-se o horror.
Um dia, o muro da praça amanheceu pichado com a palavra proibida. Alvoroço. Cartas e artigos foram enviados ao recém-criado jornal da aldeia. A polícia foi acionada. E uma recompensa foi instituída para quem apontasse o responsável pelo crime. Sabendo que o rei estava furioso, o chefe de policia fez novas diligências. Dessa vez, resolveu pessoalmente vasculhar todas as casas e pessoas. Dois ou três dias depois, o professor de literatura foi preso. A polícia apreendera em sua casa poemas que se referiam à palavra proibida. E, após ser covardemente agredido, acabou confessando o seu crime. Além de ser castigado em praça pública, teve de pintar a pichação e jurar que não mais escreveria ou pensaria na palavra proibida.
Após esse incidente, o rei foi encontrado morto em seu palácio. O povo não chorou a sua morte. Alguns tentaram até comemorar, mas foram impedidos pela policia real. Após uma eleição forjada, assumiu o poder o antigo conselheiro do rei, que, cercado de asseclas formou um governo déspota. E o povo virou escravo.
Muitas e muitas gerações se passaram. Aquela palavra proibida, aos poucos, foi sendo restituída à língua. Mas o seu sentido original perdeu-se. Agora, em nome dela, formaram-se igrejas, hospitais, asilos, manicômios etc. Chegou a surgir um homem, que muitos o chamaram de ‘salvador’, divulgando aquela palavra entre as pessoas de boa vontade. Não foi compreendido. Parece que o torturam até a morte. Atualmente, muitos se aproveitam daquela palavra; poucos a vivem em sua plenitude.
Palavras, às vezes, viram pó.

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