quinta-feira, 22 de março de 2012

Sem Estação

Noite de sábado. Garoa. Vento cortante. Isabel queria ir ver a mostra fotográfica sobre a praia do Pântano do Sul. Relutei. Ela teimou, insistiu. Cedi. Entre uma foto e outra, afastei-me de Isabel. Envolvida com a exposição, não percebeu a minha saída. De longe, fiquei observando o seu deslumbramento diante das fotos. Divaguei. E os meus olhos distraídos pousaram numa foto. A força da imagem. Um susto! Era a mesma pedra. Imensa. Imóvel. Inabalável. Voltei no tempo – o passado. E me vi diante de Mariana – a menina que tinha sardas no rosto. Filha de pescador. Vivia na praia. Ora dentro d’água, ora esticada na areia, bronzeando-se. Um mergulho. A água fria do Pântano. Os raios de sol. O verão. E nossos olhos se encontraram. A primeira vez. Um sorriso molhado. A Aproximação. A fala nervosa. Mariana... Os seus cabelos longos, e loiros, e crespos. A sua pele tostada pelo sol. Os seus olhos azuis. Sem demora, um feitiço. Uma vontade de ficar para sempre nela. Sem demora, a negação. O pai não queria. O pai não deixava. Eu. Sem Mariana. Sem ar. Cadê a vida? Ah, o amor não conhece fronteiras! Uma saída: encontros escondidos. Dois ladrões. A culpa. O medo. E se alguém descobrisse? E o amor foi descoberto. Era fim de tarde. A vazante da maré. O quebrar excitante das ondas. A solidão da praia. O vento macio. Caminhando. Eu. Mariana. Nossas mãos se tocaram. Nossos corpos se tocaram. A entrega. Além do mar, eu e Mariana. Melhor: além de nós, ninguém. De repente, o silêncio partido. É o meu pai – Mariana falou. Eu. Sem reação. Estatelado. Gelado. Sem vida. Uma pedra. Mariana correu. O pai. A repreensão. A força. O castigo. A dor. Quanto tempo sem ver Mariana? Não sei. O amor também não tem estação. E foi num domingo. Havia sol. Era de manhã. O vento forte. O pai na pesca. A mãe na missa. Meus olhos encontraram os de Mariana. Falaram. Sorriram. Renovaram o amor. Um novo encontro. Vamos fugir – eu falei. Tu tá loco – Mariana falou. Sábado, à noite, te espero no Morro das Pedras – revelei o meu plano. Noite de sábado. Garoa. Vento cortante. Aguardei Mariana. Esperança – a última que morre. Em vão. A menina que tinha sardas no rosto não veio. Eu. Sozinho. O mar - imenso. A pedra - imóvel. Sofri. Naquele momento, não entendi o que eles diziam...
- Anselmo, tá tudo bem?
A voz de Isabel. A realidade. Falei:
- O mar que bate na pedra nunca é o mesmo. A pedra, embora parada, é sempre outra. Estamos em mutação. O novo chega, vence.
Isabel nada entendeu. Cochichou:
- Bobo...
Gosto quando Isabel me trata como criança.

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