segunda-feira, 23 de abril de 2012

Sonhos

Nada além do que sinto
é o que quero
Nada além do que quero
é o que sinto

Não tenho a pretensão
de querer sentir o que não quero
e de querer o infinito...

Quero apenas querer
tudo aquilo que sonho
tudo aquilo que sinto

E não sonho
nada além do que sinto
e não quero
nada além do que sonho

Meus sonhos simples são
(como a vida é)

Simples
como os sonhos
que tive quando criança

E que
continuam presentes
nas reminiscências
do tempo

De um tempo
que tudo permite
e nada espera

Sinto
quero
quero e sinto

(sem demora)

Quero os sonhos
os sonhos que sinto

Do livro "Caminhos do Coração", 2000.

domingo, 22 de abril de 2012

Ainda

Ainda é possível sentir a alegria,
enxergar a vida em uma criança.

Por que, então, querer calar a sua voz
e eliminar a sua espontaneidade?

Desconhecemos os motivos,
mas facilmente agredimos uma criança.

A educação, porém, não pode ser a fórceps,
tem de ser um movimento natural e voluntário.

Afinal, emudecer o coração de uma criança
é o mais grave delito que se pode praticar.

E o calar a boca de uma criança
significa silenciar a vida.


Do livro "Educação Infantil no Tempo Presente" - São Paulo: editora Erica, 2002. 

Era...

Era...
O vento sul
A missa das oito
O almoço em família
O cheiro (ainda vivo) da carne de panela
O corpo mole
A visita à casa da vó
As ondinhas da praia de Barreiros – a maré cheia
O entardecer
A casa fechada
O sono
Outro dia
O tempo de criança
O bom na memória
Era tanto

Era tudo

Ficou

sábado, 21 de abril de 2012

Horizonte

Mãe, o que é que é o mar, Mãe? Mar era longe, muito longe dali, espécie duma lagoa enorme, um mundo d´água sem fim, Mãe mesma nunca tinha avistado o mar, suspirava. Pois, Mãe, então mar é o que a gente tem saudade? - Guimarães Rosa


Tão longe, tão perto III

Capa: Foto Maria de Fátima Barreto Michels



O sítio República dos Autores está organizando a Coletânea “Tão longe, tão perto III”, com a previsão de fazer seu lançamento e a entrega dos livros aos participantes no início da segunda quinzena de julho 2012.
 
O livro será editado pela Editora e Gráfica COPIART, Tubarão-SC.
 
Nota: interessados em participar ainda desta produção terão até dia 05 de maio 2012 para fazer contato e enviar seus textos para o e-mail: jmachadolg@hotmail.com  onde serão informados os custos e detalhes.
 
J.Machado - Organizador
 

Coisas do Pântano IV

Pântano do Sul - Ilha de Santa Catarina


Embora estivessem no mesmo barco,
as maneiras de remar podiam perfeitamente ser diferentes.
Caio F. Abreu

Coisas do Pântano III

Pântano do Sul - Ilha de Santa Catarina

Coisas do Pântano II

Pântano do Sul - Ilha de Santa Catarina

Coisas do Pântano I

                   
Pântano do Sul - Ilha de Santa Catarina

quarta-feira, 18 de abril de 2012

IDA SOLENE A SACHSAYUHAMAN

(Excerto do livro "Viagem ao Umbigo do Mundo", publicado em 2006.)

     Eu precisava ir a Sachsayuhaman, meu, como precisava! Mas tinha que ir de outro jeito, no silêncio, sem motores de motos, com a solenidade que Sachsayuhaman pede, como o local mais sagrado das Américas para mim, e também o mais triste! Então, no outro dia, quando meus amigos embarcaram na programação do Encontro e viveram um dia muito engraçado pelo vale do rio Urubamba (o vale Sagrado dos Incas), onde, entre outras coisas comeram cuey[1] e conheceram o ritual da Pachamanca (conto depois), e de onde voltaram alegríssimos e bem dispostos, rindo muito dos acontecimentos do dia, eu comprei um pacote turístico e fui a Sachsayuhaman.  
     O que é Sachsayuhamann? É antiga fortaleza Inca onde, em 1533, houve a batalha final entre os Incas e Pizarro, o conquistador  espanhol, e a mudança de toda a História da América. Absolutamente imensa e linda, sobranceira a Cusco, numa subida de onde se controla o acesso à cidade dos Filhos do Sol, é outro dos pontos quase que indiscritíveis do mundo. Na verdade, trata-se de um conjunto de sítios arquológicos perfeitamente conservados apesar dos terremotos e dos cristãos, sendo que a fortaleza, construída em forma de raios celestes, imensa e poderosa, é a que mais me comove. Ali, um dia, no passado, os Filhos do Sol apostaram todas as suas fichas contra o invasor europeu ... e perderam. Como da vez anterior em que estivera ali, eu fiquei lá no alto da fortaleza observando o grande prado que há diante dela, e ouvindo na minha imaginação os ruídos daquela selvagem batalha tão trágica, os gritos dos homens que se feriam ou que estavam à morte, o ruído das armas de fogo, pois já as havia, inclusive canhões, o cheiro do sangue, da fumaça, dos corpos sujos dos espanhóis europeus que temiam o banho, o ruído das botas deles conquistando espaço fortaleza acima, os corpos que eram perfurados por espadas e que caíam – era muito triste e muito profundo estar naquele lugar, o lugar do câmbio da História de um mundo, e eu tinha muito claro dentro de mim a importância daquele ponto dentro do Universo. Afastei-me dos meus colegas de passeio e da guia que só falava abobrinhas e que só faltava jurar que eram os deuses astronautas, e fui até o ponto mais alto da fortaleza, que para mim era como o lugar central das Américas. Lá, sozinha, podia sentir toda a força das Américas e dizer para elas o que era importante para mim, e o fiz. Em nenhum outro ponto do mundo se poderia falar às Américas como ali – não era à toa que aquela era a fortaleza que guardava o Umbigo do Mundo!
     Um pouco adiante, em Tambomachay,o Banho do Inca, eu tive uma idéia que até agora me parece brilhante: tirei da bolsa a minha garrafa de água mineral, joguei a água mineral fora, e a enchi com a água sagrada que corre naquele lugar. Hoje, aquela água está na minha casa, cuidadosamente guardada junto com os livros e outras coisas que tenho que tratam de Arqueologia, e me sinto muito rica por tê-la. Todo esse complexo arqueológico que reúne Pisac, Qenqo, Pucapucara, etc., eu já descrevi, também, no meu livro “Entre condores e lhamas”, já citado anteriormente.
     Foi nesse passeio, nesse dia, que conheci Med Natália, uma professora russa da Universidade de São Petesburgo, que lá ensinava espanhol, e que também sabia falar português com o sotaque de Portugal. Fiquei impressionadíssima por conhecê-la, parecia-me estar a conhecer alguém saído de um romance de Tolstói. Ela, por sua vez, também parecia impressionada por estar conhecendo uma escritora brasileira – pelo menos declarou tal coisa uma série de vezes. De volta ao Brasil, mandei a ela um pacote com livros meus e de outros amigos – ela me contara que na Universidade de São Petesburgo havia livros de brasileiros, sim: Machado de Assis e Érico Veríssimo. Espero que tenha recebido os que mandei.
[1] Cuey = um certo ratão que é iguaria no Peru. Penso que é um parente do “porquinho da Índia”, ou o próprio. (Nota da Autora)


Urda Alice Klueger
Escritora, historiadora e doutoranda em Geografia pela UFPR


Salve, Urda! 

domingo, 15 de abril de 2012

O Movimento

Movimento-Leve-Breve-Silêncio: Não Sou Sempre o Eu?

Os Barreiros

Num pequeno trecho do livro "Ilha de Santa Catarina: relatos de viajantes estrangeiros nos séculos XVIII e XIX”, o Barão Georg Heinrich von Langsdorff, em 1803, escreve: “(...) Esta aranha [a caranguejeira] não é encontrada na Ilha, mas sim em uma localidade do continente chamada ‘Os Barreiros’, coisa que acontece com outras plantas, animais ou insetos porque lá é cultivado o trigo da Turquia”.

Aldeia Barreiros XVII

Alguma Rua VI (Leoberto Leal, sentido BR 101)

Alguma Rua V (Leoberto Leal, sentido Ilha)

Alguma Rua IV (Santo Antônio)

Aldeia Barreiros XVI (lixo na praia)

Homens do Mar XV

sexta-feira, 13 de abril de 2012

FLANANDO POR CUSCO COM O LOBO SOLITÁRIO

(Excertos do Livro "Viagem ao Umbigo do Mundo", publicado em 2006)

     Na tarde do outro dia é que senti, afinal, o peso da altitude naquela cidade fascinante. Aquele fora declarado um dia livre: estavam a chegar ao hotel harleyros de todos os lados da América – afinal, tínhamos ido até lá para o Segundo Encontro Intercontinental de Motociclismo! Aos poucos, cada vez mais se viam botas negras e camisetas e jaquetas das Harley-Davidson pelos corredores e salões do hotel, e as delegações que chegavam eram recebidas com grandes efusões de amizade pelos meus amigos, pois se tratavam de pessoas que eles conheciam de outras viagens, de outras aventuras – e estava chegando gente da Argentina, do Chile, do Equador, de Lima – até um rapaz todo vermelhão apareceu vindo desde os Estados Unidos! Ninguém fizera viagem curta, nem mesmo os limeños, mas o estadunidense é quem vinha de mais longe. Fiquei a pensar em como ele atravessara toda a América Central, a Colômbia, grande parte do Peru ... mas mesmo assim também pensei: teria ele votado em Bush? Como não falo inglês ficou tudo mais fácil, não tinha mesmo como fazer perguntas ao Vermelhão.
     Quem não conhecia ninguém novo ali era eu e o Lobo Solitário. O Lobo estava meio sem saber o que fazer, e então eu decidi:
     - Vem comigo, Lobo! Vamos conhecer Cusco.  
     Sei que é muita pretensão achar que se possa conhecer Cusco num dia, mas fomos fazer o que dava. E com o Lobo saí passeando por todo aquele dia, fazendo bem um programa de turista, indo desde a Praça de Armas até o Templo do Sol, e desde as igrejas barrocas até a uma comida esmerada num restaurante pertinho da praça, ao meio dia. Vou me omitir de descrever os inúmeros detalhes maravilhosos de Cusco tanto porque é impossível contar tudo, quanto porque já fiz muitas descrições a respeito deles em outro livro meu, chamado “Entre condores e lhamas”[1]. Tenham certeza os leitores que nunca lá estiveram, no entanto, que aquele é um lugar único e imperdível – se alguém chegasse para mim agora e me dissesse: “Olha, está aqui uma passagem de graça para tu ires a Paris, com todas as mordomias, por um mês inteiro”, eu pensaria bem umas dez vezes se quereria mesmo ir de novo a Paris. Mas se alguém me oferecesse uma ida a Cusco já para o dia seguinte, fosse do jeito que fosse, com certeza eu iria correndo fazer as malas! Se você ainda não foi lá, espero que um dia possa ir, e tirar a limpo o que foi esta nossa América no passado!
     Então, naquele dia, eu e o Lobo Solitário andamos tanto, mas tanto por Cusco, e aconteceram coisas tão insólitas, como uma família inteira dentro de um templo, vestida como os antigos Incas, com grande pompa e fausto, a tirar fotos com o Lobo (eles cobravam alguma coisa para tirar tais fotos, claro! Aquela é uma cidade turística, afinal!), que de tardinha estávamos mortos de cansados, com a altitude a nos mostrar direitinho quais eram nossos limites. Cheguei ao hotel estourada; sequer fui à abertura do Encontro de Motociclismo, que aconteceu naquela noite com uma recepção em Sachsayuhaman toda iluminada, com a presença, inclusive, do alcaide de Cusco. Deve ter sido coisa rápida, só fotos e discursos de boas vindas, pois logo as Harleys estavam de volta.

Urda Alice Klueger
Escritora, historiadora e doutoranda em Geografia pela UFPR

[1] Editora Hemisfério Sul, Blumenau/SC.

Salve, Urda!

quinta-feira, 12 de abril de 2012

Unica

Respiro a única felicidade que sou capaz - uma consciência atenciosa e cordial. Passeio o dia todo(...) cada ser que encontro, cada cheiro dessa rua, tudo é pretexto para amar sem medida. Jovens mulheres supervisionam uma colônia de férias, a trombeta do vendedor de sorvetes, as barracas de frutas, melancias vermelhas com caroços negros, uvas translúcidas e meladas - tantos apoios para quem não sabe ser só. Mas a flauta ácida e terna das cigarras, o perfume de águas e de estrelas que se encontram nas noites de setembro, os caminhos aromáticos entre as árvores de pistache e os juncos. tantos sinais de amor para quem é forçado a ser só - Albert Camus

Homens do Mar XIV

terça-feira, 10 de abril de 2012

O Cais

Minha Palavra
Uma segunda pele
Roça
Os teus sentidos
Na busca
De um cais

Um Homem

Sou um homem com identidade. O todo – completo. Com sombra e luz. Homem que projeta as suas ações para além de si mesmo. Apreciador do passado – da História humana. Atento ao presente. Certo de que a esperança não é um futuro distante. Inteiro. Íntegro. Lutando pelos seus direitos. O verdadeiro. Aquele que, acreditando em si mesmo, encontra-se com Deus. Aceito minhas origens. Aprendo com o outro que habita em mim, embora não seja duplo. Respeito o outro que mora ao lado. Sou amigo – sinto o sabor da partilha. Olho nos olhos – só existo porque sou direto. Habito os campos, a praia – o mar é minha morada. Mas gosto dos guetos, dos becos. A vida é minha fonte de prazer. Não sou covarde. Não defendo Pátria nem língua – sonho os homens sem fronteiras. Não sei ser sozinho. Faço do amor uma profissão de fé. Amo a humanidade porque me reconheço nela. Sou doce, mas sei ser feroz. Sou avesso à hipocrisia. Admiro o belo e defendo qualquer manifestação criativa. Aprendi, desde cedo, a me admitir. Não sou divino. Sou homem.

Alguma Rua III

quinta-feira, 5 de abril de 2012

LEMBRANÇAS DE PÁSCOA

                                               (Para Laura Alice Klueger)

                                   Faz cerca de um quarto de século. Preparávamo-nos com grande antecedência, com semanas de planejamento, para que tudo saísse perfeito. Um campista, naquela altura, tinha que ser autossuficiente, pois ainda não era o tempo em que existiam os restaurantes de comida pronta e nem campings com cozinhas comunitárias e geladeiras. Então, tínhamos que levar tudo, desde colchões, roupa de cama, mesas, banquinhos, fogareiros, panela elétrica, caixas de isopor com gelo, comidas e louças, sem contar as enormes barracas de lona, que seriam armadas a partir de fortes tubos de metal, e essas barracas davam tal volume que ocupavam como que meio carro! No meio de tudo, muito bem acondicionados e escondidos, os ovos de Páscoa, tanto as casquinhas recheadas de amendoim, quanto Coelhinhos e ovinhos de chocolate (ainda não era o tempo dos grandes ovos de chocolates dos supermercados), fora os bombons cala-a-boca, feitos pela Fábrica de Balas Pfeiffer, aqui em Blumenau, e envolvidos individualmente em colorido papel celofane picotado!
                                   Sempre já era outono, mas às vezes ainda era quente, e levávamos biquínis, vestidinhos e outras roupas assim para encarar a boa temperatura e aproveitar banhos de mar e banhos de sol. O ar fino e translúcido era estonteante e o mundo parecia perfeito, e acampávamos em Balneário Camboriú, que tinha um grande, imenso camping na Barra Sul, dando para a praia e para o rio, um dos lugares que naquela época eu mais gostava no mundo e onde a gente não encontrava a Farra do Boi, e que se foi embora debaixo de ruas calçadas e da especulação imobiliária.
                                   Íamos com diversas barracas, diversas pessoas, mas havia uma rainhazinha para todo aquele aparato, para toda aquela movimentação e preparativos: Laura, nossa menina Laura, pequerrucha que parecia feita de maçã e de ouro, a inteligência como um estandarte , toda a fantasia e imaginação que uma criança pode ter a envolvê-la como se ela estivesse dentro de uma nuvem de tons suaves e cambiantes.
                                   Como éramos felizes naqueles dias de Páscoa lá no camping de Camboriú! Brincávamos com Laura pelo camping e pela praia; íamos com ela olhar o rio e os mistérios que poderiam haver atrás de cada árvore, de cada moita, e de tardinha o Coelho fazia suas primeiras investidas pelo camping. De repente, como se tivesse surgido do nada, lá no meio da grama ou detrás de um arbusto havia casquinhas de Páscoa, quem sabe um ovinho de chocolate... Encantada, surpresa, nossa menina ia correndo buscar aqueles produtos da magia, os grandes olhos azuis arregalados de pasmo, e ela me olhava enquanto me mostrava aquelas coisas e me dizia num suspiro:
                                   - Uva! - (que era como me chamava).
                                   Ao redor da mesinha, esticadas em cadeiras de praia, tomávamos nossos cuba-libres enquanto aproveitávamos as últimas benesses do clima e imaginávamos a surpresa seguinte que faríamos àquela menina que era o nosso grande amor. Íamos para o camping na quinta-feira, e o ápice era na manhã de Páscoa, no domingo, quando por todos os lados havia casquinhas, cala-a-boca e chocolates escondidos, e Laura não sabia como fazer para dar conta de recolher tudo, enchendo diversas cestas daquelas guloseimas mágicas que vinham do mundo encantado onde morava o Coelho. Até a avó Minervina ia junto, algumas vezes, sem contar com a querida Dona Maria Geiser, que então já se aproximava dos oitenta anos, creio.
                                   Depois, um dia o camping já não existia mais e Laura foi embora da minha vida irremediavelmente, e o meu coração verteu tanto sangue que não sei como se sobrevive a coisas assim.
                                   Por sorte, restaram as Páscoas, e outras crianças para fazer a Páscoa, e esta coisa preciosa que eu tenho, chamada Literatura, que me permite lembrar assim, neste tempo de abril.
                                   Feliz Páscoa da tua Uva, minha pequena!

                                               Blumenau, 04 de Abril de 2012.

Urda Alice Klueger
Escritora, historiadora e doutoranda em Geografia pela UFPR

quarta-feira, 4 de abril de 2012

A Volta

O rio que fazia uma volta atrás de nossa casa
era a imagem de um vidro mole que fazia uma
volta atrás de casa.
Passou um homem depois e disse: Essa volta
que o rio faz por trás de sua casa se chama
enseada.
Não era mais a imagem de uma cobra de vidro
que fazia uma volta atrás de casa.
Era uma enseada.
Acho que o nome empobreceu a imagem.

*****

Lembro um menino repetindo as tardes naquele quintal


Manoel de Barros

Coisas de Cusco

(Excertos do livro "Viagem ao Umbigo do Mundo", publicado em 2006)

Por Urda Alice Klueger
Escritora, historiadora e doutoranda em Geografia pela UFPR


                                      Vaguei por todo aquele centro de Cusco naquela noite, espiando as vitrines, os simpáticos garçons cusqueños que, de cardápio na mão, ficavam nas calçadas oferendo os pratos finos dos seus restaurantes, como pratos de vicunha, por exemplo – sobre os Andes, se possível, eu só como galinha e porco, para estar certa de não estar comendo nenhum dos seus camelídeos. Acho as lhamas, as alpacas e as vicunhas tão bonitinhas, parecidas com bichinhos de pelúcia, que não quero comê-las – embora também ache tão lindas as vacas e outros animais que como na minha cultura. Diria que é uma questão cultural – embora creia que mais de uma vez já tenha comido aqueles bichinhos lindos e macios, sem saber ao certo o que era, e talvez tenha até gostado. Então dá um certo trabalho comer em Cusco, pois os restaurantes locais se orgulham muito das suas vicunhas e outros pratos à base dos camelídeos.
                                   Fiquei por ali sem pressa, vagando entre os restaurantes e as vitrines cheias de coisas maravilhosas que os Andes produzem, desde objetos e roupas até passeios encantadores, e fiz câmbio, e achei um locutório especialmente simpático, de onde fiquei freguesa em todos os dias em que estivemos lá. Na verdade, os locutórios enxameavam por toda a cidade – penso que só em torno da Praça de Armas havia muitas dezenas – cada cantinho possível escondia um locutório, e eles estavam sempre cheios, tamanho é o afluxo de turistas naquela cidade encantada. Convém contar uma coisa interessante a respeito deles: os computadores, variando de país para país, tem teclados com as letras em lugares diferentes, e a gente demora uns dias para se acostumar com o teclado de cada país. O @, por exemplo é uma tristeza – em cada país ele é obtido de um jeito diferente – digamos que no país Tal seja usando-se o Shift + 8, e no outro seja n + 4, e assim vai. Como tínhamos vindo viajando muito rapidamente, quando eu me acostumava com o @ daquele país, já estávamos a  adentrar a outro, e começava um novo aprendizado. Em Cusco, porém, a coisa complicava – devido ao grande fluxo de turistas israelenses sempre por ali, além de o teclado ter as letras e símbolos em lugares diferentes, ainda tinha um pequeno adesivo encobrindo-o, onde estava impresso o sinal correspondente em hebraico, para que os israelenses pudessem entendê-lo. Penso que era a parte mais complicada de Cusco, mas mesmo assim já na primeira noite consegui responder às mensagens que me esperavam, e escrever o diário que mandava para o Brasil.
                                               E fiquei depois a flanar pelo Umbigo do Mundo até me sentir com vontade de voltar ao hotel,o que fiz novamente à pé, apesar dos 3.400 m de altitude. Em Cusco pode-se fazer coisas que nos outros lugares não dá!

Salve, Urda!


       

Alguma Rua II

O Segredo

O segredo é não correr atrás das borboletas…
É cuidar do jardim para que elas venham até você

Mário Quintana

Aldeia Barreiros XIII

terça-feira, 3 de abril de 2012

Facetas

Facetas
Mil faces
Um só disfarce
O semblante no espelho
Reflete:
Sensações
Vibrações
Caleidoscópio
De uma mulher
Da mesma mulher
Em infinitas variações
Outras faces
Tantas máscaras
Tantos desejos
Sonhos vários
Facetas
De uma revelação:
Despir a mulher
Ser feliz

Aldeia Barreiros XII

Homens do Mar X

segunda-feira, 2 de abril de 2012

Homens do Mar IX

“Passa-se com a alma algo semelhante ao que acontece à água: flui. Hoje está um rio. Amanhã estará mar. A água toma a forma do recipiente. Dentro de uma garrafa parece uma garrafa. Porém, não é uma garrafa. Vem-me à memória a imagem a preto e branco de Martin Luther King discursando à multidão: eu tive um sonho. Ele deveria ter dito antes: eu fiz um sonho. Há alguma diferença, pensando bem, entre ter um sonho ou fazer um sonho.” – José Eduardo Agualusa, in “O Vendedor de Passados”.

Homens do Mar VIII

Seu Otávio

Seu Otávio não gosta de política. Diz que os políticos só aparecem em época de eleição; que só fazem leis em benefício próprio ou de quem tem dinheiro; que não ligam pro povo etc. Ainda assim, seu Otávio não perde um pleito. Acorda cedo (quer ser o primeiro da fila), coloca o seu surrado terninho de linho branco e sobe o morro da Rua Capitão Pedro Leite pra cumprir o dever cívico. Andando com dificuldade, não tem mais a disposição da juventude, seu Otávio leva no bolso do paletó os nomes dos candidatos anotados num papelinho. Não quer errar na hora de apertar aqueles botõezinhos estranhos da maquininha eletrônica. Seu Otávio não conhece nenhum candidato, nem mesmo viu suas fotos na TV. Mas não liga pra isso. O voto não é obrigatório? Outro dia, seu Otávio ouviu um entendido falar que o povo brasileiro não sabe votar. Seu Otávio não gostou; não concordou. Não é o povo que não sabe votar; as opções que se apresentam é que são ruins, não prestam. Seu Otávio argumenta: quem é honesto, trabalhador, não se mete com política. Seu Otávio fala por experiência própria. Já viu muito político enrolar o povo. E, quando houve um plebiscito em Barreiros pra saber se a população queria ou não transformar o distrito em município, seu Otávio votou contra. Ele nem precisava ter ido; o voto não era obrigatório. Mas seu Otávio fez questão de ir votar porque achou um abuso a criação de mais um município em Santa Catarina. Pra que mais prefeito, vereador, secretários e tantos outros cargos? Seu Otávio teve vontade de ir pra rua gritar. Mas não foi; achou que não tinha mais idade pra ficar protestando. Seja como for, seu Otávio já anda pensando que o voto, no Brasil, devia ser facultativo. Já pensou que beleza? Não precisar mais sair de casa pra votar? Seu Otávio também acha que cada um devia fazer a sua parte; assumir responsabilidades. Que maravilha! Todos pensando no destino de todos, discutindo, planejando o lugar onde moram. Mas isso é um sonho distante. O povo ainda é educado pra delegar poderes; ainda não tá preparado pra assumir o seu destino – daí a necessidade de líderes. Seu Otávio não tem certeza. Desconfia, porém, que é por isso que as coisas tão do jeito que tão; ninguém abre a boca pra nada. Seu Otávio toma mais um traguinho, paga a conta e vai embora. Não gosta de perder tempo com política.

Alguma Rua I

Aldeia Barreiros XI

domingo, 1 de abril de 2012

Cárcere Existencial

Somos prisioneiros de nós mesmos. Nunca se esqueça disso, e de que não há fuga possível.
Lao Tse, Tao-te-ching, 600 a.C.

Quase Silêncio

Quando um coração se fecha, faz muito mais barulho do que uma porta.
(António Lobo Antunes)