terça-feira, 13 de março de 2012

Dona Hercília

D. Hercília é viúva, tem quatro filhas e sete netos. Nunca saiu de Barreiros e mora sozinha numa casinha velhinha, velhinha. Vive dos rendimentos que o marido lhe deixou. É pouco, mas, segundo ela, ainda sobra um trocadinho no final do mês. Baixinha e magrinha, faz apenas duas refeições por dia – café da manhã e almoço. Não tem televisão, nem telefone, nem máquina de lavar roupa. Eu tenho medo de mexer nessas coisas, comenta. Diz que é feliz; a única dor que carrega é ter enterrado o marido. Toda noite, antes dormir, reza. Mas não acredita em padre, nem nos homens – somente em Deus. Quer levar a vidinha como der, assim: Acordar cedo, fazer o café, dar milho às galinhas, regar as plantinhas, fazer um crivinho, dormir cedo. Outro dia, lembrou-se de sua infância. E descobriu que, quando era criança, nunca brincou. Logo cedo teve de aprender um ofício: o crivo, a renda de bilro, cozinhar... E cedo também se casou. Nunca ganhou uma boneca, nem mesmo de pano. Era pobre, muito pobre. Hoje, segundo ela, a vida tá mais fácil. Essa gurizada tem tudo do bom e do melhor. D. Hercília acha que ficam até estragadas de tanto presentes que ganham. Mas confessa que também dá tudo que as netas pedem – presentinhos simples. Por amor, a gente arruína os filhos – filosofa. Diz que nunca bateu nas filhas, e que elas a respeitam. Agora mesmo d. Hercília tá lá, na porta de casa, esperando as filhas irem visitá-la. Esperar cansa. D. Hercília se senta, resmunga e limpa as lágrimas dos olhos. Saudades... Por que elas tão demorando tanto? É noite. Um grilinho estrila aqui, outro acolá. E isso faz d. Hercília ficar com sono. Ergue-se. Fecha a porta. E não chora mais – é forte.

Um comentário:

  1. E assim vou dormir, depois de ler este texto tão lindo, do quotidiano da nossa gente!
    Um abraço Meira, até amanhã

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