sexta-feira, 13 de dezembro de 2013

O Espelho


O Espelho


Em que espelho ficou perdida a minha face?
Cecília Meireles.



No centro da cidade, um homem chafurda na lixeira. Mexe e remexe o lixo – a procura. De quê? Um homem na lixeira. Não é homem. É bicho. Quase um rato. As mãos nuas. Os pés nus. O corpo sujo. A alma ainda é cândida? O homem olha em volta. Cidade vazia. Noite de Natal. O homem está só – sempre esteve só. Não quer pensar na solidão. Volta ao seu mundo – o lixo. O tempo passa. A vida mingua. O homem tem sede e fome. Quer um cigarro. Mas não tem cigarro. Quer uma cachaça. Mas não tem cachaça. Há apenas lixo. Onde os homens? Em casa – a família, o jantar, a troca de presentes... A vida não é supérflua. O homem sente dor – corpo maltratado. Não desiste. Procurar é preciso. A vida? Amputada – riso triste. No meio do lixo, o homem. No centro do homem, Deus? O homem continua a sua saga – a fatalidade? Quase desiste. Não desiste. Vasculha. Eterna busca – a vida. No meio do lixo, um espelho. O seu presente de Natal? O homem sorri – quase vira criança. Pensa em gritar – a felicidade. Mas não grita – a voz oca. O homem abandona a lixeira. Olha em volta. Prédios, muitos prédios. Pessoas felizes? Senta-se no meio-fio. Limpa o espelho – quase um carinho. O homem é doce. Onde a desigualdade social? Quer se olhar no espelho. Reluta. Treme. Cadê a coragem? Ajeita o cabelo. Alisa a barba. Cospe no chão. Olha-se no espelho. O reflexo – a consciência de si. Quase não se reconhece. É o que vê – a essência? Ou é o que os outros veem – a aparência? O homem desvia o olhar. E o que mira? A cidade morta. Almas mortas. Luzes acesas – o Natal. Volta a se olhar no espelho. E o que vê? Uma criança. Uma árvore de Natal. Uma família. Presentes pobres... Seu olhar preso ao espelho – o passado. Lágrimas e risos – o delírio. Baixa a cabeça – pensamento vagabundo. Pediu uma moedinha. A mulher não deu. Pediu pra lavar o carro. O homem não deixou. O roubo – única opção? O homem escolhe – o destino. Passeia os olhos pela noite. Ruas desertas. Cidade solitária. O homem teme o sonho – a vida? Volta a se olhar no espelho. E não vê a criança refletida. E não vê o homem refletido. Não mais existe? A realidade é nebulosa. O homem quebra o espelho – a fúria. Estilhaços de uma vida. Cacos perdidos na calçada. Ergue-se. Leva o saco às costas. Esboça um sorriso. Não parece o Papai Noel? O homem caminha – passos tontos. Onde a saída? O homem atravessa a rua. Senta-se no banco da praça. O relógio da igreja – meia-noite. Os sinos badalam. Uma pessoa passa. Outra pessoa passa... O homem chora. E ninguém lhe deseja feliz Natal.

Às crianças, bom Natal!