sexta-feira, 18 de janeiro de 2013

O Valor da Literatura

     Quando lancei Gurita, romance ambientado em Barreiros, São José/SC, algumas pessoas me perguntaram se era lucrativo escrever. Eu já havia publicado outro livro, na área da educação, e chegara a ganhar alguns trocados, a título de direitos autorais. Mas daí a dizer que escrever é um negócio lucrativo havia uma grande distância. Para não deixar de responder aos meus interlocutores, falava a eles que não dependo da literatura para viver; que escrevo de maneira amadora e, como tal, tenho uma relação de amor e ódio com as palavras.  
     Para além da vaidade pessoal, publicar Gurita, assim como Desenho a Giz, meu mais recente trabalho, significava divulgar e registrar um pouco da cultura de São José da Terra Firme, ricamente influenciada pelos açorianos que aqui desembarcaram, em 1750. Daí o meu cuidado em mostrar nos diálogos das personagens o falar característico da gente daqui; em detalhar a leveza da arte de tarrafear; em citar os mais variados artigos de pesca (puçás, jererés, feiticeiras etc.); em lembrar os engenhos de farinha e os carros de boi; em destacar, na pele de dona Idalina, o poder das rezas e da medicina não alopática das pessoas simples da região. E, embora não seja bairrista, eu não enxergava outro ambiente para o romance que não fosse o distrito de Barreiros.
     Qualquer leitor mediano seguramente está mais familiarizado com os aspectos históricos do Rio de Janeiro evocados por Machado de Assis do que, por exemplo, com a formação social e econômica da Ilha de Santa Catarina. Pessoas que nasceram e se criaram em Barreiros – aliás, após a leitura de Gurita, vieram me dizer que cresceram de costas para o mar – não sabiam a localização dessa imponente pedra. Cantando, então, a minha aldeia, como queria Tolstoi, minhas personagens, que nunca ouviram falar de Rua do Ouvidor ou de Mata-cavalos, caminharam pelas ruas da minha infância: a Leoberto Leal, a Santo Antonio, a José Victor da Rosa, a Antônio Schroeder...
     Deixando de lado esses aspectos puramente sentimentais, acredito que Gurita, além de resgatar parte da História de São José, também deu voz àqueles que julgam não tê-la. E, assim, deparamo-nos com o valor de qualquer arte literária: fazer o leitor tomar consciência de si mesmo, despertando-o para o mundo que o cerca e, num movimento estritamente dialético, transformando-o.
     A partir, portanto, de um microcosmo, demonstrei o quão difícil é vivermos em sociedade. Pois como escrevi no prólogo de Gurita, a existência humana continua sendo idealizada; paira no inconsciente coletivo que as verdadeiras e mais belas biografias só podem ser escritas acerca daqueles que descendem de uma estirpe nobre. Consequentemente, as histórias construídas no dia a dia por personagens desconhecidas acabam sendo ridicularizadas e desprezadas. Soa estranho que tais anônimos ainda não tenham percebido que carregam consigo uma história de vida e que esta é parte integrante da humanidade. É, contudo, um comportamento perfeitamente compreensível. Lembrando Goethe, poeta alemão, qual é a coisa mais difícil que existe? A que parece mais fácil aos seus olhos ver: aquilo que está diante de seu nariz.

Artigo publicado no caderno Continente, do Jornal Diário Catarinense, de 18/01/2013