quarta-feira, 29 de fevereiro de 2012

Ainda...

Ainda que sendo tarde e em vão
perguntarei por que motivo
tudo quando eu quis de mais vivo
tinha por cima escrito: "Não"

Cecília Meireles

Tarde

É tarde...

O tempo
Não demora
Devora
A chance (perdida)
Ignora – a hora
O caminho
É outro
E sempre duplo
A escolha – é nossa
Agora

É tarde...

Diálogo

- Não gosto quando você fica em silêncio.
- ...
- Não gosto quando você me ignora.
- ...
- Não gosto quando você fica no mundo da lua.
- Você sabia que uma formiguinha pode carregar até cinquenta vezes o seu próprio peso?
_ ...

Quase Silêncio




Infância de Vidro

“Não sei o que sente aquele que bate, nem a criança que apanha.
Mas sei que o fato nos inspira nojo, indignação e horror.”
Janusz Korczak


É dever da família, da sociedade e do Estado, segundo a Constituição brasileira, colocar as crianças “a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão”. Alinhado a esse princípio, o controverso Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), em seu artigo 18, prescreve que é “dever de todos velar pela dignidade da criança e do adolescente, pondo-os a salvo de qualquer tratamento desumano, violento, aterrorizante, vexatório ou constrangedor”.
Ainda que concordemos que as crianças devam crescer num ambiente saudável, quando o assunto é educação infantil (aquela que ultrapassa os muros escolares) não há consenso. Em parte isso é bom, pois demonstra que a educação é um processo que leva em conta a diversidade da natureza humana – não há um modelo único e padronizado para lidarmos com as crianças. Por outro lado, esse conflito de ideias permite que, em detrimento das técnicas educacionais mais progressistas, métodos arcaicos e, portanto, poucos favoráveis ao pleno desenvolvimento das crianças, continuem sendo empregados.
Os exemplos de práticas educacionais anacrônicas pululam. E, por serem cometidas no silêncio do ambiente familiar, dificilmente são discutidas séria e abertamente. Com a chamada Lei da Palmada tramitando no Congresso Nacional, entretanto, esse cenário se alterou e uma indagação voltou à baila: os castigos corporais e psicológicos são prejudiciais às crianças? A pergunta é estéril; a resposta, óbvia – sim. Incontáveis educadores, psicólogos, médicos e até poetas já demonstraram que os castigos trazem consequências nefastas às crianças: baixam a autoestima, geram sentimento de culpa, aumentam a agressividade e a insegurança, causam depressão, sem falar nas lesões de pele e nas fraturas ósseas etc.
A aplicação de métodos antieducacionais contra as crianças está embasada no senso comum ou na tradição (daí serem culturalmente tolerados) e é justificada assim: “Eu sofri agressões quando criança e não me tornei um marginal”, “é preciso impor regras às crianças”, “criança tem de respeitar os mais velhos”, “criança tem de ser disciplinada” e por aí vai. Salta aos olhos que essas falam têm apenas o objetivo de reprimir as crianças, como se educar fosse simplesmente “enquadrá-las” (termo, aliás, bastante usado pela polícia) dentro de certos parâmetros preestabelecidos.
Dada à fragilidade das crianças, tratá-las com atos violentos é a coisa mais simples do mundo. Ao invés de um beijo, um safanão; ao invés de uma conversa, um puxão de orelhas; ao invés de um abraço, um beliscão; ao invés de um sorriso, uma palmada... Numa sociedade competitiva, desigual e que privilegia o individualismo, tanta agressividade às crianças é resultado das próprias frustrações do mundo adulto. Além disso, subjaz a horrível ideia de controle (da situação) e poder (sobre os filhos). Mas, aqui, o tiro parece sair pela culatra, pois o relacionamento entre pais e filhos fica comprometido com o emprego da violência.
Educar é, em última análise, um ato de amor. E, como isso envolve responsabilidade, afeto e respeito, nenhuma criança pode crescer saudavelmente quando o medo é a tônica dominante. Está claro que hábitos tão arraigados em nossa sociedade não serão modificados por força de lei, mas através da educação – mesmo que isso soe paradoxal. De mais a mais, batermos numa criança significa silenciarmos a vida; quebrarmos as possibilidades de um futuro mais humano. Afinal, depois que o vidro se quebra fica difícil colarmos os caquinhos.

O Início

"Como começar pelo início, se as coisas acontecem antes de acontecer?"

Clarice Lispector