quinta-feira, 15 de março de 2012

Ela

Gosto de conversar com ela. O tempo passa e eu nem percebo. Suas palavras me fazem acreditar que a minha vida poderia ter sido diferente. Não sei onde ela inventa aquelas frases. Não. Não são frases, mas pérolas que me encantam. E que me deixam com vontade de prosseguir o meu insignificante caminho. Conheci-a por acaso. Eu estava esperando o ônibus. Ela chegou. Sentou-se ao meu lado. Perguntou as horas. Embora eu não costume falar com pessoas estranhas, com ela foi diferente. E logo fiquei sabendo que ela se mudara havia dois dias para o condomínio onde eu resido há mais de quinze anos. Gostei dela. E ela de mim. Tornamo-nos confidentes. Sou uma velha solitária. Tive apenas um homem na vida. Mas faz muito tempo. Meu Deus! Ao contrário de mim, ela ainda se entusiasma com a vida. Ainda vê sentido em coisas que eu nem mais observo. Acho, aliás, que foi seu espírito alegre que me cativou. Embora ela seja equilibrada (penso que seja), a vida ainda tem muito a lhe ensinar. Converso com ela. E fico olhando o jeito que ela passa as mãos nos cabelos – pareço ficar diante de um espelho. Ao contrário dos meus, embranquecidos com as amarguras da vida, seus cabelos são negros e brilham à luz do sol. Tenho inveja... Pois já fui como ela. Também já acreditei num amor pra sempre – num príncipe encantado. E mais: eu também falava de uma vida diferente. Não tive sorte. Ouço-a mais do que falo. E, através de seus olhos, empreendo uma viagem ao meu passado – ah, juventude! Em que passo te larguei? Às vezes, fico convencida de que ela viverá tudo o que eu não consegui. Ontem, porém, fiquei muito preocupada. Ela chegou, sentou-se ao meu lado e falou pouco, muito pouco. Tentei animá-la. Meu esforço foi em vão. Disse-me que estava bem, mas suas palavras não saíram firmes. Havia algo diferente em seu olhar. Espero que eu esteja enganada; ela é tão criança quando sonha.

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