sexta-feira, 9 de março de 2012

O Espelho

O espelho. O homem quase alcança a sua imagem. Refletida. Repartida. Fragmentada. Cortada. A metade. Quase-homem. Quase-menino-ainda. Quase-vida. Quase-nada. Por um triz. Por um fio. Por um nada. Por pouco. O espelho. A imagem quase reflete o homem. Partido. Degradado. Amputado. Quase-ele-mesmo. Uma parte. Outra parte. O homem-sem-fim. O homem-sem-começo. O homem-meio. Mediano. Dois. Nem mais. Nem menos. A média. A miséria. A falta de ousadia. A ausência de coragem. Quase-vazio. Quase-cheio. O espelho. O reflexo não é inteiro. O quase-homem. Quebrado. Alquebrado. Dilacerado. Degradado. Vilipendiado. Destroços dele mesmo. Quase-livre. Quase-preso. Quase-vivo. Quase-morto. Conquistas pífias. Choros abafados. Alegrias retardadas. Objetivos confusos. Desejos sufocados. Alma esquecida. A vontade frouxa. Quase-felicidade. Teve medo. Recuou. Não continuou o caminho. Espiral que se repete. E mais uma vez se repete. Sempre se repete. Repete. Repete. Repete... Repete o quase-homem. O quase-agora. O que não fez. O que não tentou. Homem-quase. Homem parvo. Homem-quase-louco. O espelho. A verdade. Maldita imagem que nada reflete! Maldita a sombra do caminho. Malditos os homens! Maldição de não ser pleno. De ser uma quase-coisa. Quase-sem-forma. Quase-sem-cheiro. Quas’essênci’animal. Quase-razão. Quase-coração. Um quase-de-tudo. Um quase-pouco. Muito pouco. Um esboço. Um desenho jamais terminado. Nem Deus. Nem Diabo. Nem bom. Nem mau. Um homem sobre o muro. Os pés na terra. A cabeça nas nuvens. Atormentado. Um homem-dúvida. Um mistério quase resolvido. Faltou pouco. Muito pouco. Faltou saber do encontro. Faltou saber da fartura. Faltou saber da criança. O homem-quase. Quase quebra o espelho. Fica no meio do caminho – a pedra? Quase atirou. Quase retirou. Quase pensou. Quase tomou a iniciativa. Postergou a ideia. Adiou a decisão. Demorou. A vida tem a sua cadência. O tempo passa. O homem não passou. Ficou entre. Ficou indeciso. Estagnado. Paralisado. Prostrado. Quase despertou. Quase entendeu o romance. Quase escreveu um livro. As palavras ruminadas. As letras agrupadas. As linhas do caderno. As linhas da mão. As curvas da estrada. A linha. A quase-reta. O quase-homem-curvado. Cabisbaixo. Olhar de soslaio. Boca fechada. Quase se esforçou. Quase roubou a fruta. Quase amou aquela mulher. Quase arranjou uma amante. Quase mudou de emprego. Quase inventou uma teoria. Quase descobriu a vacina contra o medo. O remédio contra o tédio. O soro. O antídoto. A antimatéria. O quase-homem-atômico. Partícula no espaço. Pó. Barro. Terra. O quase-lixo. O quase-humano. O quase-bomba. Orbital. Quase brincou com a criança. Quase estendeu a mão. Quase caiu na sarjeta. Quase se recuperou do trauma. O inconsciente. Perturbações psíquicas. O corpo não responde. Agressão emocional. Homem-quase-somático. Quase abriu a porta. Quase tomou um porre. Quase ficou sóbrio. Quase delirou. O propósito. A lógica. A coerência dos atos. A moral. O bom costume. A educação. O homem-quase-regra. Quase perdoou o amor perdido. Quase sofreu a ausência. Quase soube a verdade. Quase ficou nu. Roupas rotas e sujas. Imprestáveis indumentárias! O homem-quase-vestido. Quase mergulhou no abismo. Quase se fechou em si mesmo. Quase procurou ajuda. Quase soube o que era. O espelho. O homem-diviso. Partido ao meio. O corte. A cisão. O contraste. A vida. O homem não sabe que parte sangra. E não escapa da dor.

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