Por Elaine Tavares - jornalista
E então já está por aí o natal. É o que me diz a
televisão em promoções a granel. Já, para mim, essa não é uma data de presentes
e compras compulsivas. É o aniversário de um dos meus deusinhos: Yeshua, Jesus.
Digo deusinho porque não arrogo a ele poderes sobrenaturais. O vejo assim,
homem, cheio de dúvidas sobre seu destino, a clamar pelo pai na cruz. O vejo
menino, a questionar as leis juntos aos velhos encarquilhados em certezas
ultrapassadas e aprisionantes. O vejo jovem, a arrancar os outros de seu
conforto, propondo a ilegalidade e a rebeldia. Gosto demais desse Jesus
arrogante, a expulsar vendilhões do templo, denunciando-os e apontando-lhes o
dedo. Encanto-me com o Jesus que se coloca diante do poder e, arriscando
morrer, levanta a cara e diz ao ser acusado de ser deus: “assim o dissestes”. E
se entrega ao juízo do povo, mesmo sabendo que esse mesmo povo que ele tanto
amou, o vai abandonar, preferindo Barrabás. É esse guri que eu espero nas noites
de natal. Aguardo, cheia de esperança, que ele renasça nos jovens que vejo
andar por aí a fazer a luta, a questionar as leis, a apontar os vendilhões, a
demolir as certezas de um sistema que mata e exclui.
Sei também que a data do natal está conectada a tempos
ancestrais, celebrados desde as eras imemoriais por todas as culturas da terra.
O solstício de verão, o começo de uma nova estação cheia de beleza e luz. Sei
que era nesse dezembro que as gentes de outros tempos dançavam sob o fogo,
cantavam e esperavam que a vida revivesse e a roda do mundo seguisse seu curso
no rumo do bem-virá. Por isso, gosto também de me perder nessa esperança do
povo andino, o Qhapac Rayme, e oferecer alimento a mãe-terra, Pachamama,
confiando em suas bênçãos e na vida que brota. É alimento, e faz com que eu
veja que as coisas sempre nascem, do nada, da dor, da desesperança, da
desilusão. Há sempre um reviver. Isso é o natal, essa data mágica de todas as
fés.
Então, quando chega esses dias de natal, gosto de
celebrar. Um pouco como as culturas antigas, um pouco como as da minha gente
ancestral, mas, nascida e criada na herança cristã, também me apetece
compartilhar com meu deusinho o dia do seu nascimento. Porque Jesus, como
tantas outras divindades de tantas outras religiões, nasce no dezembro, perto
do solstício, essa noite curta que promete vida, e nada mais. Tão simples, tão
densa. E, nesse 2012, ainda mergulhada nas interpretações das lendas maias, de
fim de um longo tempo de escuridão. Porque é disso que falam os maias. Fim de
uma era, começo de belezas... Talvez, como dizem os andinos, o começo de um
novo pachakuti, uma virada de pernas para o ar de tudo que há. Outra lógica,
outra forma de viver no mundo. Quem nos impede de crer? E de lutar por isso?
Assim, este ano, nessas semanas que antecedem o
natal, o fim da era maia, o novo pachakuti, vou adentrar pelas noites,
farejando a vida. Que ela venha, pelas mãos dos velhos amigos, e na caminhada
dos novos, que chegam agora e já se comprometem com tanta força. Espero-te meu
deusinho, assim como espero todas as divinas criaturas capazes de brotar
fogueiras em mim e em todos os que amo! Porque acredito que não há escolhidos,
eleitos, nem deuses que são maiores que outros. Toda a crença do homem,
inventada para sustentar seus terrores, remete a uma única e abençoada certeza:
de que somos uma raça frágil, que necessitamos uns dos outros, e que estamos
procurando, juntos, a terra sem males.
Então, desde o 21 de dezembro até o natal, que se
dance pelas ruas, como dizia Nietzsche, e que seja tudo pelo bem das gentes.
Todas as gentes, com todos os deuses e deusas... E que brote o amor, esse
sentimento revolucionário, e que se mude a vida...
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