terça-feira, 20 de março de 2012

A Cela

[...] em todo caso, havia um só túnel, escuro e solitário: o meu - Ernesto Sabato, in “O Túnel”

A cela é úmida e sem ventilação. Apenas um fiapo de luz entra pela janelinha gradeada próxima ao teto. Além da cama, uma mesinha e uma cadeira. E a porta é trancada por um forte cadeado. Não há como fugir daqui, não há. No começo, é verdade, eu arranhava as paredes, batia na porta, recusava a comida... Daí os guardas vinham e me batiam. Fui torturado, tenho o corpo todo marcado. Hoje aprendi a viver nesse lugar. Fico observando-os; sei cada movimento que eles fazem ali fora. E espero a hora certa para agir. Como foi que eu cheguei aqui? O homem me provocou. Eu tive de puxar o gatilho. Mas eu não queria. Sou inocente. Após o crime, lembro que eles me algemaram e me jogaram escada abaixo; não pude reagir. Depois, atravessei um corredor imenso, fedorento e escuro. Naquele momento, eu podia ter escapado; os homens não estavam armados. Mas eu estava muito ferido; já não mais conseguia me defender, correr ou gritar. Numa hora, porém, eles vão dar alguma bobeira. E, então, eu deixo esse cubículo imundo. Aliás, tão sujo que restos de comida se espalham pela cela; ratos e baratas dividem o espaço comigo. Minha prisão foi rápida. Nem pude me despedir da Laura. Tenho, sim, saudade do seu corpo, e cheiro, e beijo, e amor, e prazer. Será que ela ainda me espera? Vai ver já arrumou outro. Nunca me visitou. Minha pele está escura, coberta por fuligem negra e espessa. Quero vomitar o meu ódio na cabeça desses malditos. Uma vez eles me levaram pra tomar banho de sol. Eu aproveitei e pulei no pescoço de um deles. A raiva fazia uma pressão danada na minha cabeça. Mas aí eu olhei nos olhos dele e vi que o homem tinha medo, muito medo. Matar um cara mais fraco que eu? Desisti. E larguei ele sem ar no pátio da cadeia. Aí vieram os outros e me bateram. Eu apanhava e sorria, nem sei de que. Perdi a noção do tempo; das regras de convivência. Não tenho mais ética (no fundo, sempre fui amoral) e rastejo por esse lugar fétido. Sou um verme. Corpo deformado. Rosto sem identidade - marcado. Uma coisa quase humana – e já morta.

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