quarta-feira, 30 de maio de 2012

Nada além

Há impossibilidade de ser além do que se é -
no entanto eu me ultrapasso mesmo sem o delírio,
sou mais do que eu, quase normalmente -
tenho um corpo e tudo que eu fizer é continuação
de meu começo......
a única verdade é que vivo.
Sinceramente, eu vivo.
Quem sou? Bem, isso já é demais...

Clarice Lispector

domingo, 27 de maio de 2012

Mãos Vazias

         Hoje roubei todas as rosas dos jardins 
        e cheguei ao pé de ti de mãos vazias.
         Eugénio de Andrade

terça-feira, 22 de maio de 2012

Desatino

Eu já pensei seriamente nisso, mas nunca me levei realmente a sério. É que tem mais chão nos meus olhos do que cansaço nas minhas pernas, mais esperança nos meus passos do que tristeza nos meus ombros, mais estrada no meu coração do que medo na minha cabeça - Cora Coralina.

segunda-feira, 21 de maio de 2012

É MUITO DIFERENTE, HOJE, IR-SE A MACHUPICHU!


 (Excerto do livro "Viagem ao Umbigo do Mundo, publicado em 2006)


No outro dia era o dia de ir a Machupichu, isto é, para quem quisesse. Como também já descrevi Machupichu no livro “Entre condores e lhamas”, já citado mais de uma vez mais para trás, vou aqui me limitar a contar que o acesso a Machupichu mudou muito desde que lá fora a primeira vez. Em 1993 fora até lá em animado trem cheio de peruanos e turistas, onde ambulantes vendiam gostosas comidas e um galo cantava alegremente dentro de um balaio. Onze anos depois as coisas tinham mudado muito.  Para se pegar esse alegre e animado trem, atualmente, é necessário ser-se peruano. Como uma das famílias limeñas que estava no encontro de Motociclismo resolvera também ir a Machupichu naquele dia, Kako, o rapaz de Porto Alegre, com seu jeitão de salteador espanhol juntou-se a eles, disfarçou-se de peruano ... e foi a Machupichu por 25 soles, o que dá mais ou menos 20 reais (8 ou 9 dólares). 
Pessoas de outras nacionalidades interessadas a ir a Machupichu, atualmente, podem fazer duas opções: um trem de 90 dólares ou outro de 120 dólares. O de 120 dólares tem, inclusive, teto solar, e champanha francesa a rodo. Nós que fomos, fomos no de 90 dólares, triste trem sem choclo com queijo para comprar, sem galo cantando dentro de um balaio, só cheio de gente solene, ilhada em pequenos grupos de línguas diversificadas, que não tinham como se comunicar.  
O saltar do trem, no sopé da montanha onde, no alto, fica Machupichu, foi outra surpresa: onde no passado houvera o pequenino povoado de Águas Calientes e um ou outro artesanato para comprar, agora virara uma feira de artesanato, com centenas de lojinhas e vendedores vendendo todo o tipo de artesanato possível e imaginável que o Peru produzisse. Aquele era um lugar estreito e apertado entre duas montanhas, onde mal e mal passava o trem e havia um minúsculo povoado, não comportava toda aquela gente, todo aquele artesanato e toda aquela balbúrdia. Se os Filhos do Sol sonhassem que um dia o seu mundo seria assim invadido!   

Observação:
Descobri, depois, que se for de ônibus até a estação seguinte de trem, pode-se continuar pegando o alegre e colorido trem para Machupichu, aque todo animado, e que custa 25 soles. 

Urda Alice Klueger
Escritora, historiadora e doutoranda em Geografia pela FPR

quarta-feira, 16 de maio de 2012

E...

e já não
era sem tempo
o balanço
das ondas
levando um sonho
pra longe
daqui
 
em mim

domingo, 13 de maio de 2012

Matéria Simples

Definitivo, como tudo o que é simples.
Nossa dor não advém das coisas vividas,
mas das coisas que foram sonhadas e não se cumpriram.

Sofremos por quê? Porque automaticamente esquecemos
o que foi desfrutado e passamos a sofrer pelas nossas projeções
irrealizadas, por todas as cidades que gostaríamos de ter conhecido ao lado
do nosso amor e não conhecemos, por todos os filhos que gostaríamos de ter
tido junto e não tivemos,por todos os shows e livros e silêncios que
gostaríamos de ter compartilhado,
e não compartilhamos.
Por todos os beijos cancelados, pela eternidade.

Sofremos não porque nosso trabalho é desgastante e paga pouco, mas por todas
as horas livres que deixamos de ter para ir ao cinema, para conversar com um
amigo, para nadar, para namorar.

Sofremos não porque nossa mãe é impaciente conosco, mas por todos os
momentos em que poderíamos estar confidenciando a ela nossas mais profundas
angústias se ela estivesse interessada em nos compreender.

Sofremos não porque nosso time perdeu, mas pela euforia sufocada.

Sofremos não porque envelhecemos, mas porque o futuro está sendo
confiscado de nós, impedindo assim que mil aventuras nos aconteçam,
todas aquelas com as quais sonhamos e nunca chegamos a experimentar.

Por que sofremos tanto por amor?
O certo seria a gente não sofrer, apenas agradecer por termos conhecido uma
pessoa tão bacana, que gerou em nós um sentimento intenso e que nos fez
companhia por um tempo razoável,um tempo feliz.

Como aliviar a dor do que não foi vivido? A resposta é simples como um
verso:

Se iludindo menos e vivendo mais!!!
A cada dia que vivo, mais me convenço de que o desperdício da vida
está no amor que não damos, nas forças que não usamos,
na prudência egoísta que nada arrisca, e que, esquivando-se do
sofrimento,perdemos também a felicidade.

A dor é inevitável.
O sofrimento é opcional...

Carlos Drumond de Andrade

sexta-feira, 11 de maio de 2012

O Inesperado

Corro perigo
Como toda pessoa que vive
E a única coisa que me espera
É exatamente o inesperado

Clarice Lispector

Sem Medida

Eu sou contraditório, eu sou imenso. Há multidões dentro de mim - Walt Whitman.

Não tem jeito. Diante do mar, encontro-me.

quinta-feira, 10 de maio de 2012

A mulher, ouvindo estrelas...

                                                                                                   Por Elaine Tavares - Jornalista
 
Jurara nunca mais beber. Não queria mais o mundo girando, girando, a boca solta, os pés trôpegos, a mente em voo livre. Haveria de ficar no chão. Desde pequena lhe diziam que andar pelo caminho das estrelas era coisa de louco. Ela tentara fugir. Não conseguira. Aos sete anos vira seu primeiro disco voador. Ninguém acreditara. Mas, na noite escura, lá estava ele. E mesmo quando no entardecer de um quente verão, quando todos viram aquele grande charuto cheio de janelas passando devagar, insistiram em negar. Ela ficara sozinha, olhando a coisa sumir no horizonte, rezando para que dali saísse um raio de luz e a levasse para sabe-se lá onde.

Sumida entre livros de Asimov e revistas que falavam sobre UFOS ela passou a infância e a adolescência. Eram seus amigos mais leais. Perry Rodan e suas peripécias, capitão Kirk, Spock, as mais incríveis criaturas dos planetas mais distantes. Eram suas redes a embalar a solidão e a incompreensão para as coisas do mundo “normal”. Mas, nesse mundo secreto não havia tristezas. Só esperanças de que um dia o mundo pudesse ser, de fato, habitável aos seres sensíveis capazes de falar com e ouvir estrelas, tal como dizia Bilac.

O tempo passou, a guria cresceu, o disco não veio, o mundo estragou. Tempos de rede não se prestam a solidões. Os edifícios escondem o céu, as estrelas sumiram, não falam mais. As palavras desconexas que reverberam na cabeça ninguém mais sabe dizer de onde vem. “Essa aí nunca foi normal”, dizem as vizinhas. E ela sorri, agradecida. Nunca quisera a normalidade de um mundo em escombros.

O cabelo embranqueceu, mas as velhas revistas seguem na cabeceira. As aventuras de Rodan para salvar a Terra ainda povoam seu mundo de teias de aranha. Quando é de noite, e todos dormem, ela sai pela rua a quebrar lâmpadas – única forma de ver o céu numa cidade feérica. Até ontem a acompanhava um garrafa de vodka, da boa. Por algum motivo desconhecido ela se acercara mais do que a pinga local. Talvez pela sonoridade. VOD-KA. Palavra doida, estranha, sensual.

Mas agora decidira. Por todos os deuses do Tahuantinsuyo. Não mais emborcaria o líquido quente e queimador. Haveria de saltitar pela rua como sempre fizera, mas o faria de cara. Já não tinha mais medo de não ser normal. Tomaria, como Raul, todos os banhos de chapéu. E falaria com os sleestaks, os vulcanos, encontraria mestre Ioda, voaria na Milenium Falcon. Cometeria todas as loucuras. Quem nesse mundo pode se arvorar em dizer o que é certo? Como podem impedir um ser de ouvir estrelas e dançar nas estradas de areia?

Nessa manhã ninguém estranhou quando ela saiu feito uma guerreira klingon, toda pintada. Deixara a casa arrumada, ajeitara o quintal. Na rua adormecida, jamais se poderia supor o caminho empreendido. Subiu devagar o morro do lampião, piou com os passarinhos, grunhiu com os bugios. Tomou banho de cachoeira e se deitou nua na relva verdinha. Decidiu esperar pelo raio. E ele veio, ao fim da tarde, quando as formigas já faziam caminho pelo corpo branquinho. Contam que ela foi levada por algum disco voador, e é bem possível. Nunca mais foi vista. O certo é que lá para os lados do lampião, há uma estranha árvore, com formas de mulher, que parece sorrir. Tem gente que jura que é ela e que em noites de lua clara, as bruxas cantam e dançam no lugar. Outros há que juram vê-la nas noites escurar a quebrar as lâmpadas, cantando canções sertanejas. Vai saber!...
 
Para conhecer mais:
Existe vida no Jornalismo
Blog da Elaine: www.eteia.blogspot.com
América Latina Livre - www.iela.ufsc.br
Desacato - www.desacato.info
Pobres & Nojentas - www.pobresenojentas.blogspot.com
Agencia Contestado de Noticias Populares - www.agecon.org.br
 
Salve, Elaine!

O Ritual e a Música dos Meninos

                   (Excertos do livro "Viagem ao Umbigo do Mundo", publicado em 2006.)
                                 

Quanto ao ritual da Pachamanca, que os meus amigos conheceram naquele dia, há que dar maiores detalhes. Pachamanca, literalmente, quer dizer “onda de terra”, e representa o banquete dos Andes peruanos por excelência. Na cultura andina a comida está entrecruzada com o culto à Natureza e com as efemérides sociais. A Pachamama (ou Mãe-Terra) é fonte de fertilidade, de vida, e também fonte de numerosos produtos que voltam a ela para serem cozinhados. Tal ritual é feito principalmente em fevereiro e março, como celebração da colheita, mas fora aberta uma exceção para homenagear aos visitantes vestidos de negro que tinham vindo de tantas partes da América!
Sintetizando uma Pachamanca: se enterram no solo e se cozinham com pedras em brasa as diversas carnes: gado, porco, galinha, carneiro, cuey, e as verduras: batatas, batatas-doces, vagens, milho verde, junto com milho ao molho branco e queijo derretido. O sabor que a terra quente dá a esses produtos é realmente especial. Apesar de hoje se usarem carnes que foram trazidas para a América pelos espanhóis, a Pachamanca remonta à épocas pré-coloniais, e seu caráter ritual é uma forma de render homenagem à divindade Terra, comendo diretamente das suas entranhas os produtos que ela fecunda. A elaboração da Pachamanca demora horas e exige a participação de muitos membros da comunidade, homens e mulheres. Há uma ordem no enterramento das carnes, tubérculos e temperos, que são colocados sobre e sob as pedras em brasa protegidos por ervas úmidas e folhas de bananeira. Depois, se cobre a Pachamanca com terra, cuidando para que esteja hermeticamente fechada e não escape calor nem fumaça. Cobre-se a mesma, depois, com uma cruz de flores. [1] É uma grande honra ser recebido com uma Pachamanca, e imagino que os meus amigos entenderam a homenagem que lhes foi feita.
Nessa noite, quando andava por uma das calçadas do centro de Cusco, acabei dando de cara com seu Chico, Jaka e o Lobo. Eles tinham comprado casacos de lã de lhama e estavam a inaugurá-los, e acabamos rindo todos juntos, pois aqueles casacos só serviam para aquele clima. Aonde vivíamos dificilmente seria frio o suficiente para que se usassem tais bonitos casacos, que acabariam sua história num armário. Já que ríramos juntos fomos jantar juntos num elegante restaurante num segundo andar, bem na Praça de Armas de Cusco. Durante a refeição apareceu por lá um grupo de meninos músicos que era para a gente nunca mais esquecer. Eram cinco irmãos parecidíssimos, usando roupas típicas iguais, o que os tornava ainda mais parecidos. A diferença entre eles estava na idade – o mais velho estaria entrando pelos 12 anos, e o menorzinho só teria uns cinco. Todos eram bons músicos e tocavam seus instrumentos andinos como antigos antepassados deles devem ter tocado milhares de anos antes, inclusive usando roupas parecidas às que eles usavam agora, mas o menorzinho, aquele de uns cinco aninhos, roubava a cena. O menino era um artista nato, incorporava o que fazia, e o fazia tão bem que ficava-se com vontade de roubá-lo, traze-lo junto para amá-lo muito e muito por toda a vida! Os PHD e aquele grupo já se conheciam de viagens anteriores, e havia adesivos dos PHD nos seus instrumentos musicais. Era uma noite de paz e de emoção, e quando os meninos começaram a tocar uma nova música, e nos preparávamos para mergulhar no passado antigo da América através dela, Jaka e eu nos entreolhamos espantados e caímos na risada: aqueles meninos que eram como que um símbolo do Peru, de repente estavam tocando Obladi-Obladá, dos Beatles! É impressionante como as culturas se interpenetram e se mesclam neste mundo repleto de diversidades! Como historiadora, sei quantos estudos se fazem sobre tal tema – e estavam lá os meninos cusqueños a tocarem Obladi-Obladá com a naturalidade de meninos ingleses, testemunhando a cientificidade de coisas que eu lera em livros! Queridos meninos peruanos, não há como não guardá-los no coração para sempre!  


[1] Agradecemos aqui a colaboração do PHD Enrique Navarro, de Lima, Peru, que nos elucidou quanto aos detalhes da Pachamanca. (Nota da autora)

  Urda Alice Klueger
Escritora, historiadora e doutoranda em Geografia pela UFPR

domingo, 6 de maio de 2012

sábado, 5 de maio de 2012

2

Dois...
Apenas dois.
Dois seres...
Dois objetos patéticos.
Cursos paralelos
Frente a frente...
...Sempre...
...A se olharem...
Pensar talvez:
“Paralelos que se encontram no infinito...”
No entanto sós por enquanto.
Eternamente dois apenas.

Pablo Neruda


quinta-feira, 3 de maio de 2012

CENTELHAS DE VIDA

Era uma vez, lá no Paraíso Terrestre, quando Deus criou Adão e Eva e todos os animais, criou Ele, também, um casal de cachorrinhos. Viviam todos, lá, muito felizes, e se não fosse a preocupação de Eva e Adão de provarem dos frutos da Árvore do Bem e do Mal, a festa lá ainda não teria acabado, e ninguém passaria nenhum tipo de privação neste mundo.
Bem, o fato é que lá, junto com Adão e Eva, havia um casal de cachorrinhos, e que enquanto Eva era tentada pela Serpente, os cachorrinhos, muito naturalmente, tiveram seus primeiros filhotes, que tiveram outros filhotes, que tiveram outros filhotes, até que um dia, milhares de anos depois, nasceram os dois cachorrinhos que vivem na rua do lado da minha casa.
Eu comecei a vê-los no começo deste inverno que está tão frio: dois cachorrinhos amarelos, dos mais legítimos vira-latas, a saírem para a entrada da rua, bem na minha esquina, para ficarem ao sol que chega antes na esquina do que na casa deles. Pequenas centelhas de vida explodindo de inteligência e alegria, eles sabem  exatamente a hora em que o sol chega a um pedaço quadrado de asfalto na saída da rua, e lá vêm, lépidos e alegres, a balançarem seus rabinhos na efusão gratuita de viver, para aproveitarem o calor fraco do sol e se aquecerem.
Como se divertem os dois bichinhos! Eles ainda são cachorrinhos muito novos, mal e mal deixaram de ser bebês, e a idade adulta deve vir só lá pelo verão. Estão naquela fase em que os cachorrinhos gostam de roer os chinelos das pessoas, e onde a alegria é infinita dentro dos corpinhos peludos e inquietos de tanta vida. Naquele quadrado de sol da esquina da minha rua, eles se aquecem com os focinhos erguidos, e brincam, alternadamente, brincam um com o outro tendo a certeza de que a coisa mais importante deste mundo é brincar. Eles conhecem todas as crianças da redondeza, e todas as crianças os conhecem – quando elas passam, cedinho, em direção da escola, eles interrompem suas brincadeiras para fazerem festa às crianças, e acompanham-nas um bom estirão pelas calçadas, até lembrarem-se que têm seu quadrado de sol no mundo, e voltarem à minha esquina.
Conhecem gente grande também: recentemente, quis saber mais sobre eles. Minha amiga Margarida contou-me que se chamam Toco e Bilú, e Margarida é uma mulher séria, tesoureira de um banco, o tipo de pessoa que a gente não pensa que sabe o nome de dois cachorrinhos de nada, duas centelhazinhas de vida que surgiram no começo do inverno num quadrado de sol. Depois que Margarida contou-me até o nome deles é que vi o quanto estão populares em toda a vizinhança.
Sabedora, agora, dos seus nomes, ontem de manhã fui lá falar com eles. O dia estava nublado, e o pedaço de sol não tinha aparecido na esquina. Os cachorrinhos, porém, sabiam perfeitamente onde ele iria surgir, se surgisse, estavam lá sentados,com cara de aborrecidos pela falta daquele amigo Sol que os tem aquecido desde que se lembram, na sua curta vida. Eles ainda não me conheciam – sempre os observo de longe, de dentro da garagem – e se mostraram indiferentes até que chamei:
– Toco!
Na hora descobri quem era Toco, pois ele veio pular em mim arrebentando de alegria, e foi só chamar “Bilú”, para que Bilú também entrasse num paroxismo de prazer e de pulos, ambos inteiramente cônscios da sua identidade neste mundo. Nasceram faz pouco tempo: da vida só conhecem o quadrado de sol e as crianças que passam, mas sabem muito bem como cada um se chama, e como ficam gratuitamente felizes quando um adulto se digna dar-lhe o pequeno nome que é quase tudo o que possuem!
Eles pularam e me lamberam até que eu tive de ir-me. Pelo retrovisor do carro, fiquei vendo como, depois da alegria de terem sido reconhecidos por um adulto, esqueceram-se de que o quadrado de sol não tinha vindo, naquele dia, e passaram a brincar com a mesma alegria de quando se sentiam aquecidos!
Se Adão e Eva não tivessem acabado comendo do fruto da Árvore do Bem e do Mal, cachorrinhos como Toco e Bilú nunca sentiriam frio, e nunca precisariam ficar brincando num quadrado de sol na esquina de uma rua, e não haveria na minha vida a luz das suas pequenas centelhas de vida. Até que Adão e Eva não erraram de todo!

Blumenau, 04 de agosto de 1996.
Urda Alice Klueger 
Escritora, historiadora e doutoranda em Geografia pela UFPR